Uma guerra complicadamente simples.

"- Peraí... esse pé é meu ou é o seu que de tanto pisar no meu passou a doer em mim?"

O pior é que se eu tirar o pé debaixo do seu, ele fica no ar. Não tem como pisar. Não sei mais onde pisar. Não tem chão. Ou melhor: Existe chão, mas o Chão tá embaixo de outros muitos pés.

E nem pense em levantar esse punho. Eu não quero guerra. Tá gostoso esse "cutuca daí que eu cutuco daqui". Eu gosto. Não afeta minha masculinidade. É coisa simbólica. É o seu bom dia e o meu "já vou descer".

Não, moço. Eu sei que esse lance de ficar enfurnado, zipado e compactado, não é legal. À propósito, poderia tirar o cotovelo do meu pescoço? Não, não está incomodando, mas eu preciso respirar. Pisei no seu calo? É minha especialidade. Não faço por mal. Nem por "MAU". Faço por instinto. 

Del Castilho... Saem 10 pessoas, entram 30. Hoje não vi a senhora entrar. Será que foi na estação Maria da Graça, onde levei um empurrão com tanta força que parei do outro lado? Bom dia, senhora que lembra minha vizinha, D. Olga! Não, eu não quero que a senhora segure minha bolsa. Aliás, a senhora também está em pé. Ninguém quer dar o lugar pra senhora? Ah, todos que poderiam lhe ceder o lugar também estão de pé. Deixa quieto, então.

Poxa, imagina brigar aqui dentro. Quero não, moço. Desculpa eu ter colocado o pé embaixo do seu. Sei que deve ter incomodado muito. Ok, não precisa mover ação indenizatória. Que drama! Tome aqui, minha honra. Leva essa felicidade, um pouco de saúde e, de quebra, um pedaço da minha dignidade. Se der, me devolva indignação de troco. Ao menos fico com alguma coisa.

Tá gostoso esse "cutuca daí que eu cutuco daqui". Eu gosto. Não afeta minha masculinidade.

Precisa mudar isso? colocar um carro a cada 2 minutos? Não, eu prefiro do jeito que está. 6 minutos e todo mundo compactado. SENHORA, CUIDADO! NÃO CORRA! AS PORTAS VÃO FECHAR!

"- Machucou?" Não, meu corpo só ficou preso entre as portas para a senhora não ser arrastada pela plataforma! Ih, outra mulher desmaiou.

Não precisa mudar nada. É bom esse calor humano. Faz a gente se lembrar que existe. Não precisa guerra. Já somos guerreiros o suficiente só por estarmos aqui, suportando isso. Todos os dias.

"- Todo dia ela faz tudo sempre igual...". A mesmice é boa. É bom fazer sinal para o condutor do trem. Ele fica PUTO da vida. A gente ri. Outras pessoas não acham graça. Como também não acham graça daquelas 3 menininhas "putinhas" com biquini aparecendo, canga, barraca de praia, enquanto estou de terno e gravata. Tá um calor desgraçado. Ué... Trem do Metrô não tem ar condicionado?

Tá gostoso esse "cutuca daí que eu cutuco daqui". Eu gosto. Não afeta minha masculinidade.

O que será que acontece se eu girar esse botão aqui, perto da porta?

"- Senhores passageiros, qual o motivo da emergência?".